Fonte: Mariani Ribeiro/Assessoria de Comunicação Social do MPGO
Acolhendo pedidos em ação civil pública (ACP) proposta pelo Ministério Público de Goiás (MPGO), a Justiça condenou o Estado de Goiás ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15 mil, a um adolescente diagnosticado dentro espectro autista, estudante do Colégio Estadual Céu Azul (escola militar), em Valparaíso de Goiás. O jovem foi obrigado a cortar o cabelo contra a própria vontade, para se adequar aos padrões exigidos pela unidade.
De acordo com a ACP, no dia 26 de novembro de 2021, quando o estudante chegou à escola foi abordado pelo diretor da unidade (um policial militar), que avaliou que o corte de cabelo do menino (que havia sido feito recentemente) não estava de acordo com supostas diretrizes das escolas cívico-militares. Assim, o comandante conduziu o garoto na viatura policial até a sua residência, onde teria exigido que a mãe do adolescente cortasse novamente o cabelo do filho. A justificativa foi a de que ele era motivo de chacota de outros alunos por não estar no padrão estabelecido pela referida norma.
Segundo o MP, a mãe do adolescente foi coagida a assinar uma carta de autorização, para que a unidade escolar efetuasse um novo corte de cabelo nele, sob a ameaça de que ela perderia a guarda do filho se não o fizesse. O promotor de Justiça Daniel Naiff da Fonseca, titular da 6ª Promotoria de Valparaíso de Goiás, explicou que a situação acarretou abalos psicológicos irreparáveis ao jovem, em especial por ele estar no transtorno do espectro autista (TEA). Como narrado pela mãe, o menino teria ficado desesperado quando se viu no espelho, já que amava o próprio cabelo. Isso o deixou deprimido, tanto que ele não quis mais retornar para a escola. Assim, precisou ser matriculado em outra instituição de ensino.
Ouvida em juízo durante as investigações, a mãe do adolescente contou que, antes mesmo desse episódio, notou que o filho chegava em casa triste de forma frequente. Preocupada, foi até a escola para saber o que estava acontecendo, quando foi informada por um policial que seria necessário cortar o cabelo do adolescente. Segundo a mãe, ela convenceu o garoto a passar pelo corte para que ele pudesse continuar na escola militar, já que era um sonho dele estudar na unidade. Assim, o adolescente concordou em cortar o cabelo, mas o corte não agradou ao comandante do colégio, levando ao episódio descrito.
Estado deve responder pelo erro do agente público
Ainda de acordo com a ACP, o Estado de Goiás, na pessoa de seu agente público (diretor da escola), além de descumprir os procedimentos próprios, previstos em regimento interno, para eventual adequação de norma, não exerceu o dever de acolhimento ao adolescente, disposto em recomendação efetuada pelo Centro de Apoio Operacional da Infância, da Juventude e da Educação do MP. O promotor Daniel Naiff também afirmou que não se podia perder de vista que o adolescente é diagnosticado com TEA, fato conhecido pela instituição de ensino, e, portanto, protegido pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e demais instrumentos normativos.
A ação reforçou que o Estatuto da Pessoa com Deficiência garante o direito à educação para pessoa com deficiência, assegurando sistema educacional inclusivo em todos os níveis de aprendizado, como observância às suas características e necessidades de aprendizagem. A lei prevê ainda ser dever de toda comunidade escolar assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, de modo a resguardá-la de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Por todos os fundamentos expostos, o MP entendeu estar presente o elemento básico da caracterização da responsabilidade civil estatal (o ato do agente estatal). O dano ao adolescente, “o qual encontra-se em pleno desenvolvimento físico e mental, condição que deve ser amparada por toda a sociedade em geral e pelo poder público”, foi causado diretamente pela coação a cortar o cabelo, contra sua própria vontade, por conduta de seu diretor. Assim, o MP pediu à Justiça a condenação à indenização por dano moral, no valor de R$ 48.480,00.
Ao analisar o pedido, a juíza Ailime Virgínia Martins levou em consideração as características e circunstâncias do caso, entendendo que a indenização deve servir, de um lado, para amenizar o abalo psíquico sofrido pela vítima, e de outro, o escopo pedagógico. No entanto, ela arbitrou o valor da indenização por danos morais em R$ 15 mil. O valor deverá ser atualizado monetariamente segundo o IPCA-E, a partir da data de publicação da sentença, e acrescido de juros moratórios, contados da data do evento danoso.