Estudo derruba falsa ideia de que depressão é causada por níveis baixos de serotonina

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Baixos níveis de serotonina eram comumente associados à depressão

Baixos níveis de serotonina eram comumente associados à depressão Freepik

Uma grande revisão de pesquisas científicas realizada por pesquisadores da UCL (University College London), publicada nesta semana na revista Molecular Psychiatry, concluiu que não há evidências claras que comprovem que níveis baixos de serotonina estão ligados à depressão, contrariando um conceito que por muitos anos se disseminou na comunidade médica.

Segundo o Relatório Mundial de Saúde Mental de 2022, divulgado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), recentemente, os casos de transtornos mentais pioraram em todo o mundo, com aumento superior a 25% dos novos casos de depressão e ansiedade.

A análise levou em consideração que, por anos, mais precisamente desde 1960, a depressão tem sido associada a uma anomarlidade de substâncias químicas do cérebro, principalmente a serotonina, e é utilizada como embasamento para justificar o uso de antidepressivos, que aumentam a disponibilidade deste neurotransmissor no cérebro. 

“É sempre difícil provar uma negativa, mas acho que podemos dizer com segurança que depois de uma vasta investigação, apesar da quantidade de pesquisas conduzidas ao longo de várias décadas, não há evidências convincentes de que a depressão seja causada por anormalidades da serotonina, particularmente por níveis mais baixos ou atividade reduzida da substância”, afirma a autora principal do trabalho, Joanna Moncrieff, em comunicado. 

E acrescenta: “a popularidade da teoria do ‘desequilíbrio químico’ da depressão coincidiu com um enorme aumento no uso de antidepressivos. As prescrições de antidepressivos aumentaram dramaticamente desde a década de 1990, com um em cada seis adultos na Inglaterra e 2% dos adolescentes recebendo prescrição de um antidepressivo em um determinado ano”.

O estudo foi realizado usando a técnica “guarda-chuva” (com revisões sistemáticas e metanálises – combinação de resultados de diferentes textos relevantes), que é considerada um dos mais altos níveis de síntese de evidências.  

Principais conclusões

A pesquisa reuniu os estudos mais expressivos sobre serotonina e depressão dos últimos anos. Separados por tema, os cientistas analisaram grande parte dos dados disponíveis, exceto os que realizavam estudos em animais ou tratavam da depressão desencadeada por condições físicas, como após um AVC (acidente vascular cerebral). 

O principal objetivos dos cientistas foi desmistificar que a depressão é resultado de um desequilíbrio químico, pois o apontamento influencia as pessoas a permanecerem tomando antidepressivos e desencoraja a descontinuação do tratamento (quando orientada por um profissional capacitado), podendo levar a uma dependência do remédio. 

“Milhares de pessoas sofrem de efeitos colaterais dos antidepressivos, incluindo os graves efeitos de abstinência que podem ocorrer quando as pessoas tentam pará-los, mas as taxas de prescrição continuam aumentando. Acreditamos que essa situação tenha sido impulsionada em parte pela falsa crença de que a depressão se deve a um desequilíbrio químico. Já é hora de informar ao público que essa crença não é fundamentada na ciência”, alerta a autora.

Após uma metanálise de estudos sobre a relação do aumento de serotonina depois de tratamentos com antidepressivos, os pesquisadores concluíram que o efeito só acontece a curto prazo. 

Os níveis desse neurotransmissor foram reduzidos após um período extenso de intervenção, sugerindo que o medicamento tem alterações compensatórias (momentâneas) no cérebro, mas produz o efeito contrário a longo prazo. 

Os autores também analisaram estudos que visavam demonstrar que os receptores de serotonina – que atrapalham a liberação da substância – são maiores em pessoas com depressão. Entretanto, os resultados revelaram o oposto. Não houve diferença entre os níveis de receptores em pessoas diagnosticadas com depressão (que estavam tomando ou haviam tomado recentemente antidepressivos) em comparação com aquelas sem quadros da doença. 

“A explicação é antiga, errada. Não é a serotonina que causa depressão, é a perda de comunicação entre os neurônios. A serotonina precisa estar em um nível certo, em um local certo, mas ela vai fazer com que os neurônios comecem a mudar e criem raízes, fiquem mais fortes. Isso pode ocorrer em qualquer fase da vida. A depressão é uma doença da neuroplasticidade [capacidade de criar novas conexões entre neurônios], não é uma doença química”, afirma o neuropsiquiatra e fundador do canal Saúde da Mente, no YouTube, Marco Antonio Abud, em entrevista ao R7 em maio deste ano.  

Além do mais, a partir de um projeto que reduziu artificialmente os níveis de serotonina em centenas de pessoas saudáveis cortando da dieta os aminoácidos necessários para produzir a substância, os pesquisadores deduziram que a baixa não tem relação com a depressão, pois não surtiu efeito nos voluntários. 

“[O neurocientista Eric] Kandel provou que se você pegar um neurônio, não mudar nada na química dele, não mudar nada no ambiente físico em que ele estar, e só der estímulos musicais, por exemplo, ele vai criando novas sinapses, novas conexões. Tudo o que a gente faz, tudo o que a gente pensa, tudo o que sentimos, isso tem tanta importância quanto a química para fazer o nosso cérebro funcionar. A ideia é que a serotonina é um facilitador, mas ela não é a causa”, explica Abud. 

As pesquisas que tratavam da depleção (perda significativa de elementos do organismo) de triptofano (aminoácido precursor da sertotonina) – constantemente associada com a depressão –, de acordo com a revisão, também tinham evidências pouco certas sobre a relação da atividade com a baixa de serotonina, pois o grupo examinado tinha histórico familiar de depressão.

O compilado não deixou de analisar os efeitos das situações cotidianas de estresse nos pacientes e concluiu que esses eventos aumentam as chances das pessoas se tornarem depressivas, ou seja, quanto mais estressante for a vida do indivíduo, maior é a probabilidade de ele estar ou se tornar depressivo.

“Um aspecto interessante nos estudos que examinamos foi o quão forte um efeito de eventos adversos da vida teve na depressão, sugerindo que o humor deprimido é uma resposta à vida das pessoas e não pode ser resumido a uma simples equação química”, diz a professora. 

Desfecho

A revisão constatou que as principais áreas de pesquisa que ofereciam evidências moderadas ou altas não mostraram relação entre a serotonina e a depressão. Os textos que tinham resultados consistentes acerca do aumento da serotonina tiveram indicativos de “certeza muito baixa”, principalmente pela amostra pequena e falta de detalhes sobre o uso de antidepressivos. 

O estudo não tem base para recomendar ou não o uso dos remédios, pois não revisou a eficácia deles de forma detalhada. Os autores estimulam a realização de mais pesquisas sobre o tema e outras que foquem no controle de eventos estressantes ou traumáticos, como a psicoterapia. 

“Nossa opinião é que os pacientes não devem ser informados de que a depressão é causada pela baixa serotonina ou por um desequilíbrio químico, e eles não devem ser levados a acreditar que os antidepressivos funcionam visando essas anormalidades não comprovadas. Não entendemos exatamente o que os antidepressivos estão fazendo com o cérebro, e dar às pessoas esse tipo de desinformação as impede de tomar uma decisão informada sobre tomar ou não antidepressivos”, declara Joanna Moncrieff. 

Os cientistas estão conduzindo pesquisas para encontrar a melhor forma de parar gradualmente o consumo de antidepressivo, mas não há nada concreto ainda.

Entretanto, a autora reafirma e conclui que “não há suporte para a hipótese de que a depressão é causada pela diminuição da atividade ou concentrações de serotonina”. 

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